terça-feira, 6 de novembro de 2012

A nova Igreja


Ao contrário de outras paróquias cuja igreja, ao longo dos séculos, com modificações e acrescentos, sempre se ergueu no mesmo lugar, a de Balasar é já o quarto templo construído de raiz e em localização diferente. A primeira foi a do Lousadelo, a segunda a do Casal, a terceira a do Matinho, a quarta a actual; e houve ainda a de Gresufes.
Durante o século XIX, muitas igrejas paroquiais foram restauradas e ampliadas, outras construídas de novo. Desde a mais distante, a de Touguinhó (que data de 1842), já fora edificada a grande igreja de Beiriz (1872), estava ser finalizada a de Amorim (de linhas inovadoras e paga por quatro irmãos brasileiros da freguesia - 1908) e estavam a decorrer as obras da Misericórdia da Póvoa bem como a primeira fase das da Basílica do Sagrado Coração de Jesus.

A Igreja do Matinho

Registem-se algumas informações sobre a igreja anterior, a da Matinho.
A decisão de a edificar há-de ter sido muito custosa. O documento da anexação, de 1422, não exigia isso: “mandamos aos fregueses da dita igreja de Gressuffe que vão receber os eclesiásticos sacramentos na dita igreja de Balssar e ouvir missas e que o abade que ora é e for ao diante da dita igreja de Balssar vá, dia do orago da igreja de Gressuffe, dizer missa à dita igreja, lançando a água benta sobre os finados e dizendo o responso costumado sobre eles”.
A subordinação dos interesses de Gresufes aos de Balasar terá originado a sua posterior anexação a Gondifelos. A localização da igreja do Matinho responderá possivelmente a reivindicações de Gresufes, exigindo que ficasse a meio caminho entre ela e o Casal, distribuindo de modo justo os incómodos da anexação. Quem também saía prejudicado eram os moradores do norte do rio, porque igualmente lhes ficava mais longe e não havia ponte nas proximidades.
O facto de o lugar ser em parte propriedade paroquial foi certamente também determinante para a localização da nova igreja. Embora não seja inteiramente claro, parece que ao tempo do Tombo de 1542, ela já ficava no Matinho.
A igreja de Gresufes não foi demolida.
Pelo Tombo da Comenda de Balasar, sabemos que a Igreja do Matinho possuía “um torreão de duas empenas e duas sineiras” (1).
Sobre ela, deram também notícias as Memórias Paroquiais, os assentos paroquiais e o inquérito de 1845.
O P.e Domingos da Soledade Silos, em 1845, registou que a igreja não ameaçava ruína, excepto o trono. Mas não era assim em 1907, como consta duma acta da Junta de Paróquia; então fala-se do “estado de ruína” em que ela se encontra e diz-se que as “suas paredes estão desequilibradas e as suas madeiras podres”.
Em 1911, quando a nova igreja já estava ao serviço, procedeu-se à ampliação do cemitério. A planta que então se elaborou fornece algumas informações interessantes, pois localiza com precisão a antiga igreja, que ficava a norte, frente ao portão de origem, e a residência paroquial, que estava a sul.

O que o P.e Leopoldino escreveu

Voltando ao tema da Igreja nova, ouçamos o que sobre ela escreveu o P.e Leopoldino Mateus:

Com o andar dos tempos, a população aumentou muito e, julgando-se insuficiente a igreja paroquial para conter no devido respeito e devoção os fiéis, constituiu-se uma comissão de bons paroquianos para escolher novo terreno onde pudesse ser erigido um templo amplo, majestoso e digno de ser a Casa de Deus.
Escolhido o lugar da Cruz, foi demolida a capela do Senhor da Cruz e erecta essa majestosa igreja que ainda hoje é uma das melhores das aldeias desta circunscrição e que, concluída em 1907, custou a obra de pedreiro, carpinteiro e estucador 12 contos.
Mais tarde procedeu-se ao douramento dos altares que importou em 21 contos e há poucos anos foi adquirido o carrilhão dos sinos (6), pagando-se 80 contos ao sineiro Jerónimo Serafim, de Braga, que os fundiu e afinou por música.
Hoje, a igreja de Santa Eulália de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim, arciprestado de Vila do Conde - Póvoa de Varzim, Arquidiocese de Braga, é imensamente visitada pelos forasteiros que admiram a elegância do templo, a linda ornamentação dos altares confiados ao cuidado de devotas zeladoras e sobretudo o espírito de sacrifício deste povo laborioso e crente que, não sendo rico, conserva a sua igreja num asseio e limpeza muito para louvar e imitar.

Observe-se que é errada a data de 1907 para a conclusão das obras, pois é apenas a do seu início.
A vontade de construir em Balasar uma nova igreja já vinha desde há pelo menos uma década.

A comissão

Ao contrário do que aconteceu em Beiriz, da construção da Igreja de Balasar chegou até à actualidade pouca informação. Sobre a comissão encarregada da construção da obra, o P.e Leopoldino só indica o tesoureiro, o abastado irmão do pároco, José Fernandes de Sousa Campos. Mas há um nome que merecia ser registado, o do então vereador municipal Manuel Joaquim de Almeida, natural de Gondifelos, mas casado para Balasar. A freguesia deve-lhe muito e também ajudou muito nas obras da igreja. Ter-se-ão proposto três localizações para a igreja e a até escolhida terá sido a que ele sugeriu.
Na edição de 19 de Maio de 1907, a Estrela Povoense informa que “na Póvoa não se vêem obras de algum valor, nas aldeias mormente em Balasar e Navais e no seu lugar de Aguçadoura, gastam-se rios de dinheiro em alguns melhoramentos de muito duvidoso interesse” (2). Manuel Joaquim de Almeida é que geria as verbas camarárias que se gastavam em Balasar.
E num artigo de jornal, de muito mais tarde e que copiámos à frente, o seu autor vai escrever:

Ao passar na Igreja Paroquial, que me traz sempre à memória o nome de Manuel Joaquim de Almeida, seu principal impulsor, assim como de outros melhoramentos locais, ouvi o toque de uma orquestra.

O seu contributo deve ter sido o mais valioso (3).


A construção da igreja

Em 23 de Dezembro de 1906, o jornal poveiro Estrela Povoense traz esta notícia sobre a “Igreja Paroquial de Balasar”, bem semelhante a uma outra saída n’O Comércio da Póvoa de Varzim no dia 27:

A freguesia de Balasar, deste concelho, vai possuir um novo templo paroquial, cujas obras vão ser postas a concurso.
Quem desejar concorrer deverá examinar o projecto na secretaria do arquitecto da Câmara Municipal, onde ele está exposto todos os dias úteis, desde as 10 horas da manhã até às 3 horas da tarde.
As propostas devem ser enviadas, em carta fechada, à residência paroquial daquela freguesia, até ao próximo dia 30 do corrente ao meio-dia.

Numa acta de 24 de Fevereiro de 1907, lê-se uma exposição feita à Junta de Paróquia pelo pároco, o abade Manuel Fernandes de Sousa Campos, que merece ser transcrita:

Tendo uma comissão, composta de alguns moradores desta freguesia, como à Junta não é estranho, tomado a seu cargo, por meio duma subscrição, a construção da nova igreja paroquial desta mesma freguesia, por essa construção não poder realizar-se por conta desta Junta de Paróquia, visto serem insignificantes os seus rendimentos e essa nova igreja tornar-se absoluta necessidade pelo estado de ruína em que se acha a actual, que não pode continuar a funcionar porque as suas paredes estão desequilibradas e as suas madeiras podres, como já foi verificado por peritos competentes, cumpria à Junta auxiliar essa iniciativa, prestando a essa comissão todo o seu apoio e valimento, dentro das atribuições legais, pois que de um tal melhoramento provinha um salutar benefício para a freguesia. Portanto, ocorria à Junta o dever de não só ceder da antiga igreja o seu material, altares e mais aprestos, como realizar definitivamente o acordo feito em 20 de Junho de 1897 com a comissão do Senhor da Cruz, desta freguesia, a fim de ser aproveitada a sua capela e terreno anexo na construção da nova igreja, por se tornar esse local o mais apropriado para essa edificação.

Os membros da mesa da Confraria do Senhor da Cruz estavam presentes e fecharam o acordo mencionado, abrindo assim as portas à construção da nova igreja. Este acordo será ainda corroborado na sessão de 28 de Abril.
A Junta de Paróquia só deu a aprovação à planta em 24 de Novembro de 1907, como consta da acta desse dia, mas as obras começaram antes. Sabemos isso por uma nota d’O Comércio da Póvoa de Varzim, de 19 de Setembro de 1907, onde se escreveu:

Foi arrematada a nova igreja paroquial de Balasar pelo Sr. António Ferreira Dias, de Mijães (Mujães?), Viana, pela quantia de 5.845$000 réis, recebendo os materiais do velho templo e da capela da Santa Cruz.
As obras principiaram em meados do mês passado.

Iniciaram-se então as obras depois de meados de Agosto de 1907. Sem planta aprovada, talvez se começasse a arrecadar o que merecia ser guardado da igreja do Matinho e da capela da Santa Cruz, antes de proceder às suas demolições. E era preciso depois terraplanar a área em que se ia construir, que era em acentuado declive. O que fica claro é que a data de 1907 é a do início da sua construção, que foi rápida.
De facto, noutro jornal poveiro, O Liberal, de 7 de Novembro de 1909, saiu esta breve informação:

Conquanto ainda não estejam concluídas as obras da nova igreja da freguesia de Balasar, deste concelho, sabemos que elas estão muito adiantadas, principiando já há semanas a celebrar-se  missa.
Ainda não tivemos ocasião de ver o novo templo para podermos falar acerca dele, mas logo que isso nos seja possível diremos das nossas impressões.
No entanto, as informações que temos são de que a construção da igreja satisfaz por completo e que o lugar em que foi construída é um dos melhores da freguesia.

Infelizmente não se encontra naquele semanário o cumprimento da promessa de que voltaria a falar da nova igreja.
As actas da Junta de Paróquia não dão conta do andamento da construção, mas registam que a 23 de Janeiro de 1910 a igreja “já está concluída e aberta aos actos de culto”.
Em síntese, as obras tiveram princípio ainda em 1907 e prolongaram-se pelos anos de 1908 e 1909. Como os preparativos se tinham iniciado uns dez anos antes, faz sentido que tivessem sido rápidas.
Desconhecem-se os nomes do arquitecto, do entalhador (4) e do pintor do painel do Bom Pastor. O empreiteiro, o Sr. António Ferreira Dias, segundo o P.e Leopoldino, foi o mesmo da Igreja da Misericórdia da Póvoa de Varzim.
A nova igreja paroquial é também um resultado dos tempos novos que se viviam, que deram origem a reconstruções das velhas casas, com as suas grandes chaminés e com mais indicadores de abundância a que se alude noutro lugar.


Imagens de cima para baixo:
  • Igreja Paroquial de Balasar.
  • A talha da igreja de Balasar, de inspiração neoclássica,  assemelhava-se à de Beiriz e mais proximamente à da Misericórdia da Póvoa de Varzim.
  • Nota d’O Comércio em 19 de Setembro de 1907.
  • Capela-mor da mesma igreja (pormenor da imagem anterior). No sacrário vê-se o baldaquino que hoje está na Capela da Adoração do Santíssimo. Reparar ainda no painel do Bom Pastor.



[1] A igreja velha do Outeiro Maior, só desactivada nos anos setenta do século passado, também possuía uma pequena empena para os sinos. Mas havia torreões com dois sinos em Laundos, em Parada, em Rio Mau, nos Convento de S. Francisco de Vila do Conde e da Azurara. A antiga misericórdia da Póvoa também tinha dois sinos. O torreão de Rates é recente e veio substituir uma pesada torre que existia ao lado da igreja românica e que destoava do monumento.
[2] Citado de SOUTO, Manuel Fernando Faria Souto, “O Abade de Nabais e Rocha Peixoto”, Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. 44, 2010, página 138.
[3] Consta que Manuel Joaquim de Almeida se terá aproveitado da posição política para adquirir de modo pouco transparente o terreno onde construiu a sua casa – a que fica imediatamente a poente do adro.
[4] Ignoramos a data da colocação da talha na igreja. Sabendo-se que ela tinha sido nacionalizada em 1911 ou 19122, não parece muito de crer que os balasarenses se dispusessem a investir nela mais dinheiro em data próxima, porém, também não parece que seja obra do tempo do P.e Manuel de Araújo. Pusemos a questão à D. Felismina Martins, mas ela não soube adiantar nada, o que sugere que na sua adolescência a talha já não era coisa nova, isto é, era do tempo do pároco anterior.

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